12.1.11

A fruta aberta


Agora sei quem sou.
Sou pouco, mas sei muito,
porque sei o poder imenso
que morava comigo,
mas adormecido como um peixe grande
no fundo escuro e silencioso do rio
e que hoje é como uma árvore
plantada bem alta no meio da minha vida.


Agora sei as coisas como são.
Sei porque a água escorre meiga
e porque acalanto é o seu ruído
na noite estrelada
que se deita no chão da nova casa.
Agora sei as coisas poderosas
que valem dentro de um homem.


Aprendi contigo, amada.
Aprendi com a tua beleza,
com a macia beleza de tuas mãos,
teus longos dedos de pétalas de prata,
a ternura oceânica do teu olhar,
verde de todas as cores
e sem nenhum horizonte;
com  tua pele fresca e enluarada,
a tua infância permanente,
tua sabedoria fabulária
brilhando distraída no teu rosto.


Grandes coisas simples aprendi contigo,
com o teu parentesco com os mitos mais terrestres,
com as espigas douradas no vento,
com as chuvas de verão
e com as linhas da minha mão.
Contigo aprendi
que o amor reparte
mas sobretudo acrescenta,
e a cada instante mais aprendo
com o teu jeito de andar pela cidade
como se caminhasses de mãos dadas com o ar,
com o teu gosto de erva molhada,
com a luz dos teus dentes,
tuas delicadezas secretas,
a alegria do teu amor maravilhado,
e com a tua voz radiosa
que sai da tua boca
inesperada como um arco-íris
partindo ao meio e unindo os extremos da vida,
e mostrando a verdade
como uma fruta aberta.
                                                 Thiago de Mello

                                     (Sobrevoando a Cordilheira dos Andes, 1962)

Ninguém me habita


Ninguém me habita. A não ser
o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita. Sozinho
resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.


                                                                      Thiago de Mello

9.1.11

An Indian

An Indian fall from a star bright colored
Of a star that will come at a dizzying speed
And arrive in the heart of the southern hemisphere, in America in a bright instant
After the last exterminated indigenous nation
And the spirit of the birds, of the sourcers of cleanly water
More advanced than the most advanced of the most advanced technologies
Will come, dauntless as Muhammad Ali
Will come that I saw, passionately as Peri
Will come that I saw, tranquil and infalible as Bruce Lee
Will came that I saw, the axé of Afoxé Filhos de Ghandi
Will come
An Indian preserved in plenty body physical In all solid, all gas and all liquid
In atoms, words, soul, color, in gesture, in smell, in shadow, in light, in sound magnificent
At a point equidistant between the Atlantic and the Pacific
Of the yes object, resplendent, will descend The Indian
And the things that I know that he will say, I do not know say so in an explicit way
Will come dauntless as Muhammad Ali
Will come that I saw, passionately as Peri
Will come that I saw, calm and infalible as Bruce Lee
Will come that I saw, the axé of Afoxé Filhos de Gandhi
Will come
And what that in this moment will reveal to peoples
Surprised everyone by not being exotic
But for the fact of can always have been occult when the obvious has been

                                                                                                Caetano Veloso


6.1.11

PONTO DE HONRA

Desassossego a paixão
espaço aberto nos meus braços
Insubordino o amor
desobedeço e desfaço

Desacerto o meu limite
incendeio o tempo todo
Vou traçando o feminino
tomo rasgo e desatino

Contrario o meu destino
digo oposto do que ouço

Evito o que me ensinaram
invento troco disponho
Recuso ser meu avesso
matando aquilo que sonho

Salto ao eixo da quimera
saio voando no gosto

Sou bruxa
Sou feiticeira
Sou poetisa e desato

Escrevo
e cuspo na fogueira

             
             Maria Teresa Horta

RITUAL DO AMOR


I

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

As pernas cruzadas
na racha entreaberta

Os braços erguidos
e o vestido
subido nas coxas que já despe
II

Depois é a penumbra
e o vestido
a tirar pela cabeça
amarrotado

As mãos abocanhando
o cimo do vestido
no desatino - na pressa
que as invade

Acesa a carne
no ócio dessa tarde
liberta enfim da seda do vestido

que em vez de seda é sede
e é a tarde
acesa enfim no corpo sem vestido


III

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

na febre em que
se despe
e é tirado
no hálito do quarto

ou atirado
e cai devagar
depois de ser despido


IV

Aos pés
está o vestido
amachucado

depois os joelhos no vestido

as coxas brandas e doces
no tecido
que vai cedendo ao gosto dessa tarde


V

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que se ergue
do chão
amarfanhado

o vestido que mal foi despido
conheceu do corpo
o peso do seu acto


VI

Assim volta à maneira
de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços

cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto

VII

Quanta saudade
da seda do vestido
que à pele adere
num outro abraço

Baraço entorpecido
nos sentidos
secreta maneira
de tolher os passos



VIII

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

Já só memória
o corpo todo
nu

Dissimulado agora pelo vestido
que os dedos abandonam
um a um

IX

A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que o gesto alisa
ao descer o fato

Vestido que na fímbria
ainda é vestido
mas não na fenda
onde já se abre


              Maria Teresa Horta

Bilac, Braga e Leminski

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o
pejo.
Na minha a sua boca eu comprimia
E, em frêmitos carnais ela dizia:
”Mais abaixo, meu bem, quero o teu
beijo”.

Na inconsciência brutal do meu desejo
Fremente a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos, mordia,
Fazendo-a delirar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda, quase em grito
” Mais abaixo, meu bem”, num frenesi!

No seu ventre pousei a minha boca,
”Mas abaixo, meu bem”, disse ela,
louca!
Moralistas-perdoai! Obedeci.

                                    
Olavo Bilac
A Bunda

Quando ela passa todo mundo
espia.
Não para a cara, que não é
formosa
Mas para a bunda, que é maravilhosa
Em bunda, nunca vi tanta magia.

Requebra, sobe, treme e rodopia
Dentro de uma expressão maravilhosa
Deve ser uma bunda cor-de-rosa
Da cor do céu quando desponta o dia

E ela sabe que sua bunda é boa
Vai pela rua rebolando à toa
Deixando a multidão maravilhada

Eu a contemplo, num silêncio mudo
Embora a cara não valesse nada,
Só aquela bunda me valia tudo.

                                       
Belmiro Braga
Merda e Ouro

Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam pobres,
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare
à bosta da pessoa amada.
                                               Paulo Leminski