I
A fímbria do vestido
a fenda do vestido
As pernas cruzadas
na racha entreaberta
Os braços erguidos
e o vestido
subido nas coxas que já despe
II
Depois é a penumbra
e o vestido
a tirar pela cabeça
amarrotado
As mãos abocanhando
o cimo do vestido
no desatino - na pressa
que as invade
Acesa a carne
no ócio dessa tarde
liberta enfim da seda do vestido
que em vez de seda é sede
e é a tarde
acesa enfim no corpo sem vestido
III
A fímbria do vestido
a fenda do vestido
na febre em que
se despe
e é tirado
no hálito do quarto
ou atirado
e cai devagar
depois de ser despido
IV
Aos pés
está o vestido
amachucado
depois os joelhos no vestido
as coxas brandas e doces
no tecido
que vai cedendo ao gosto dessa tarde
V
A fímbria do vestido
a fenda do vestido
que se ergue
do chão
amarfanhado
o vestido que mal foi despido
conheceu do corpo
o peso do seu acto
VI
Assim volta à maneira
de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços
cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto
de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços
cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto
VII
Quanta saudade
da seda do vestido
que à pele adere
num outro abraço
Baraço entorpecido
nos sentidos
secreta maneira
de tolher os passos
VIII
A fímbria do vestido
a fenda do vestido
Já só memória
o corpo todo
nu
Dissimulado agora pelo vestido
que os dedos abandonam
um a um
IX
A fímbria do vestido
a fenda do vestido
que o gesto alisa
ao descer o fato
Vestido que na fímbria
ainda é vestido
mas não na fenda
onde já se abre
Maria Teresa Horta