1
Quem poderia ouvir
oh! velho Rilke,
que anjos
que demônios
poderiam ouvir,
entre os abismos verbais das elegias,
um poeta brasileiro da Amazônia
em busca de caminhos
na página, no verso, na quimera,
rosas de areia e tempo recolhendo
em ampulhetas quebradas
no Muro que tombou?
O que podem as palavras
ante os muros?
O que pode o poema?
Pássaro, sílabas, penas
a espatifar-se contra pedras
em vísceras, sons, sangue, sonhos?
O que podem essas plumas
face as pedras?
O que pode o poema?
O que pode essa pétala do acaso,
no dorso empredernido dessas pedras?
O que pode o poema?
2
O que dizer desse Muro
e de suas inumeráveis ruínas arruínadas?
Que monumento de palavras
há de erguer-se
nesse vácuo do nada?
O horizonte está maior?
O tempo colou partes do tempo
que um vendaval
com raios
repartiu em duas?
Nas reunidas ruas de Berlin
quantos rostos reconhecem faces
nessa festa de Faustos
e Mefistos?
Entre o peso das pedras na memória
há de restar o musgo,
disfarce discretíssimo do amor
nas frestas desse ódio?
O que falar de muros?
3
Quantas vêzes
o Sol
sol celebroute,
ostensório na mão de novos dias,
passou por sobre o Muro?
Quantas vêzes
a Aurora das manhãs da Poesia
com róseos dedos
ergueu-se
e olhou por sobre o Muro?
Quantas vêzes
Valquírias a buscar a primavera,
pés após pés
pétala ante pétala
distraídas,
estacaram a pensar que o horizonte
era um muro de pedras?
4
Caíu no oco de si mesmo.
Tão sólido?
Tão frágil?
Pedra da História
rolada
dos ombros de Sísifo?
Cantor de guerra
calado
nos lábios do medo?
Anel de Nibslungo
gangrenando
os alvos dedos da Paz?
Espada imemorial
pendida
sobre o partido coração do tempo?
Quando a montanha tomba
levanta-se em seu lugar, a paisagem.
No lugar do não-ser floresce o ser.
O que há de agora erguer-se no vazio
desse Muro ruído?
5
Ouvidos colados ao chão
desnudrado de utopias,
tento ouvir
no útero da Terra
- feito Baiá, o poeta da tribo -
tento ouvir,
raro rumor de passos de alvoradas
nesse ruir de pedras arruinadas.
João de Jesus Paes Loureiro